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intervenção foto de rique

Ilustração : Mariana Siqueira /  http://siquieras.com

– O que você está fazendo aqui?

– Eu apenas estou aqui.

– Aqui não é o seu lugar.

– Eu nasci e moro aqui.

– Mas este é o meu lugar.

– Porquê?

– Porque Deus.

– Eu não conheço este.

– “Este”? Só há um.

– Sim. Mas só conheço o meu. Diz que a minha casa é a sua casa?

– Esta sempre foi a minha casa.

– Nasci aqui, como meu pai, e o pai dele, e o pai do pai do meu pai. Sempre vivemos em sua casa?

– Sim. E agora devem sair.

– Mas para onde iríamos?

– Para outra casa.

– Onde há outras pessoas. Se vamos dividir, dividamos aqui. Aqui me reconheço.

– Não.

– Não podemos negociar?

Longo silêncio.

– Sim, mas com uma condição: tudo que eu propuser, você diz que sim. Tudo o que me disser, direi que não.

De que importa de quem foi o primeiro golpe, se a réplica não é vingança e se aquele que pode interromper o conflito nada faz para que este se encerre.

À distância senhores assistem o forte esmagar o fraco, sem interferir, e se julgam neutros.
Texto: Camilo Fróes

Meninas da rua Cleia

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– Então, conte de novo aquela história. Aquela que só você sabe contar!

– Mas de novo? Vocês não vão se enjoar?

– Que nada! Conta de novo. É tão gostoso de escutar!

E ela olhava para os nossos olhos, atravessando nosso olhar. E era como se fosse a vez primeira. A primeira vez que a gente se punha a escutar.E a tristeza ia embora. Alegria e admiração tomavam conta do lugar. E ela contava das coisas que havia feito e das que gostaria de inventar,(se vangloriava em ter feito implante do tronco e que com fé em São Ivo Pitangui implantaria o restante do corpo. Queria ser humana. E contava sobre como o mundo é cheio de segredos. Tantos que falta vida para desvendar. Nessas horas é que eu percebo: a palavra é o travesseiro da consciência. A gente encosta a cabeça na palavra do outro e pensa, “é tão bom dividir e compartilhar”.

– Agora conta você. Conte algo que só você sabe contar.

– E se for história repetida?

– Não tem problema. Pode contar!

São as histórias das nossas vidas paradas atrás das narrativas da vida. E eu contava da frase que li no muro, quando ia rumo à rua Cleia. Estava escrito: “somos instantes”. E eu logo concluo: “somos instantes, eternizados pelas palavras”. Neste caso, escritas no muro. E se alguém me perguntar sobre qualquer história, me pedir mais uma vez para contar, ótimo! Não terei escolha, contarei quantas e tantas vezes as pessoas estiverem dispostas a escutar…e antes que eu me esqueça quero implantar um chipe!

Texto: Dio Dionisio

T.I.A

Já ouviu falar em inferno astral? Pois é, aconteceu comigo.
Era a semana do meu aniversário. Eu nunca fui de dar muita importância a esse dia não. Sabe, pra mim é matemática pura: se você nasceu numa data X e esse X se repete a cada ciclo de 12 meses, então a cada 12 meses o X se distancia um ano do marco zero. Logo, cada vez que a data do meu nascimento se repete isso que dizer que completei um ano (ou 12 meses) a mais. Tudo matemática! O tempo não respeita métricas, ele simplesmente passa sem parar. Pois bem, mais 12 meses estavam se completando naquela semana. Como todo ano, não me programei para organizar festinhas, rendez-vous ou qualquer coisa parecida, apenas vivi, comi e respirei.  Faltando 2 dias e algumas horas para o “dia”, marquei com uma amiga de almoçarmos juntas no bandejão em frente à Praça das Rosas (e não, não há rosa alguma nela, apenas uma fonte quebrada que nos serve como banco). Assim que peguei o sorvete da sobremesa, esbarrei numa criança que brincava de correr ao redor da fonte quebrada e o resultado foi uma mancha napolitana no meu vestido. Minha amiga veio logo com um “Ah,menina! É por causa do seu aniversário que tá perto. É o seu inferno astral!”. Como é? Eu nunca reparei nesse inferno astral, nem sabia que existia, nem ao menos me lembro se havia catástrofes nas semanas que antecediam meu aniversário. O fato é que pude até não dar importância ao sorvete no vestido, mas aquele “inferno astral” não saía da minha cabeça. Despedi-me da minha amiga e segui para o Banco, onde trabalho. Fiquei tão distraída tentando encontrar alguma pista que confirmasse a TIA (Teoria do Inferno Astral) que quase acabei atropelada por um ônibus que buzinou por quase 30 segundos enquanto eu gritava me desculpando. Entrei correndo no Banco e fui direto para a minha sala, aflita com a descoberta do Inferno Astral. Assim que entrei, o telefone tocou: havia esquecido a reunião de preparativo para a festa junina da Associação. “Esse Inferno Astral tá pegando pesado”, pensei. Corri para a reunião, mas não sem antes me certificar pela segunda vez de que estava com a minha agenda em mãos, afinal estava sobre o julgo do I.A.  Segurei-a tão forte para que não caísse e espalhasse os papéis que estavam amontoados em suas folhas que cortei o dedo no espiral de ferro… Espertinho esse Inferno Astral, mas ele não me pega, não! Enquanto limpava o sangue não tirei o olho da agenda, vai que o Inferno Astral resolve fazê-la desaparecer?! Fiquei tão focada na agenda que não vi quando chegou atrás de mim a nova estagiária levando cafezinho para os tarados do Setor de Vendas. Mais uma mancha negra para se juntar à mancha do sorvete do almoço. Quente e frio. Não aguentei: larguei tudo em cima da mesa e saí correndo para fora do prédio. “Se ficar parada aqui estou segura”. Havia tomado a decisão de não mais trabalhar ou me mover naquela tarde quando senti algo molhado no topo da minha cabeça. Fiquei imóvel. Não era possível que ele tivesse me seguindo até ali! Fiquei parada por uns segundos, tempo suficiente para que a gosma com cheiro de iogurte com manjericão escorresse até os meus lábios. O gosto não era nada mal, certamente algum molho especial pra salada, pensei. Mesmo besuntada de molho de dieta Ravena, permaneci sentada na escada até o último funcionário do banco sair. Afinal, não se pode brincar com essas coisas. Hoje sou outra pessoa depois da descoberta do Inferno Astral. Imagina se não soubesse nunca?  Poderia até morrer! Viva a informação!

texto: Bruna Scavuzzi

Era noite

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Era noite.
Pra variar um pouco, chego novamente sozinho em minha casa, meu apartamento, minha solidão.
Este lugar eu projetei para ser o meu lar, um lar só meu, tão só meu que chega a ser vazio, gélido.
E assim seguiam os meus dias: abrir a porta, acender uma luz naquela escuridão, cruzar o corredor, passar por várias portas, ir ao banheiro, lavar as mãos, ir à cozinha preparar um sanduíche, ir ao quarto ligar o som, ir ao escritório ligar o computador, ir a sala usar o telescópio por um minuto. Voltar à cozinha para comer o sanduíche, voltar ao banheiro para lavar as mãos, ao quarto para enrolar um baseado, ao telescópio para ver estrelas cadentes e luas dançantes, ao escritório para compartilhar estas experiências na internet e ao quarto para dançar livre ou “pesquisar o movimento genuíno”. Lá pela alta madrugada refazia o passeio pelo meu lar, iniciando pela cozinha para lavar a louça, banheiro para tomar banho, sala para fechar as janelas, escritório para desligar o computador e o quarto para dormir e sonhar com uma linda viagem intergaláctica, rumo a Júpiter, talvez.

Minha sorte era ter alguns poucos amigos que muito me conheciam, outra sorte era ter uma analista que já estava há tanto tempo comigo que algumas vezes invertíamos os papéis e ela, inclusive, me pagava as consultas, outra sorte era reconhecer que eu era invejoso. Pois sim: eu invejava os homens que eram pais, porque eu sempre quis ser pai, mas sempre tive medo de me casar e, pior, sempre tive medo de conviver diariamente com uma mulher.
Eu cogitei adotar uma criança e ser contemporaneamente um pai-solteiro, mas pensei que teria de conviver de qualquer forma, ainda que por uns 10 anos com uma babá – tô fora!

Refleti um pouco mais e percebi que estava alterando a ordem do fluxo das coisas… -Veja bem, Sr., é preciso amar e seu filho será fruto desse amor.

De fato era chegada a hora de compartilhar o MEU lar, dar à minha vida uma possível companhia. Nessa altura da vida o meu desejo era poder chegar em casa, tocar a campainha e perceber a existência de uma vida lá dentro.
Em mim as coisas se processam desta forma: percebo algo a mudar, provoco uma ampliação dos fatores negativos disso a ser mudado, me desapego e mudo. Sendo assim, entrei num processo tangente à loucura: passei a esquecer as chaves de casa. Passei a tocar a campainha. Passei a não suportar mais morar só e seguir aquele roteiro só e sempre como se a vida fosse só aquilo.

Por falta de coragem ou de vontade ou por medo dos meus iguais, comprei um cachorro.

Sei que nosso amor será eterno até que não seja mais suficiente e eu comece a implicar com ele, com a felicidade dele a me ver chegar, com dependência dele em relação a mim para comer, caminha na rua, cagar e mijar, com a deficiência dele em relação à fala.

Sei que essa hora vai chegar, mas enquanto não chega, vivo eternamente o nosso amor e vivo acreditando na plenitude que sua companhia me proporciona. Vivo feliz ao seu lado!

… por enquanto.

Texto: Elmir Mateus

AS ARMAS E OS EPELHOS

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Através das minhas raízes paternas, armei-me  com musicalidade, e sem esforço consigo atingir o divino com o poder da minha voz. De minha mãe e majestosa criadora, armei-me com sensibilidade e me tornei engenhosa na compreensão da mente humana. Assim, tornei-me camaleoa; nos palcos e na vida, me escondendo e me expondo com disfarces gostosos. Mas andei perdida, vagarosa, procurando incansavelmente as minhas armas de guerra. Fui jogada na batalha Nova Iorquina! Mas o meu pensar flutuante de uma típica aquariana, me trouxe o descuido do esquecimento, e assim, deixei minhas armas em casa.

– “Esta tudo errado!”, eu digo a mim mesma. Achei que tinha feito tudo certinho. Coloquei na mala o que foi mandado: enchi de sonhos, experiência, ambição…

–       “Esqueceu do foco!”, lembro-me novamente.

–      “Isso! Foco! Mas este eu ando arranjando por aqui.” Coloquei também: baianidade, um sorriso no rosto, um coração partido e muita amargura do passado.

–      – “Xi, isso você poderia ter deixado lá!”, pensei, dando-me mais uma cutucada.

–      “Agora já foi…mas nada que o tempo não cure.” E na mala também tinha: dinheiro, fome e muita sede de arte.

–      “E saciou a sede e fome?”

–      “Precisaria de um banquete”

–      “Mas aqui você tem que caçar. In New York, ninguém coloca pão e água na mesa de graça.”

–      “Mas esqueci minhas armas em casa!”

–      “E trouxe o que no lugar delas?”

–      “Vaidade”.

Um silêncio inquieto cala a conversa entre eu e eu mesma. Era este o confronto necessário? Como um mosquito irritante zonzonando no ouvido, um pensamento me chega dançando…assim, quase como se não quisesse chegar:

Armas.

KABUM!

Armas.

TATATÁ!

Armas.

Era uma epifania! Para que tanta violência? Havia descoberto que a guerra em que estava não era externa. A batalha legítima era toda dentro de mim. Eu e minha essência. Eu e a verdade. Eu e o espelho.

Não havia esquecido minhas armas, elas só gostavam de se esconder. Se escondiam entre os bobs nos meus cabelos, por trás da sombra preta nos olhos e até mesmo no brilhar do piercing no nariz.

Estava claro: nada do lado de fora era mais importante do que o que havia do lado de dentro; por que só lá, naquele infinito desconhecido, acharia as armas necessárias: amor, integridade, devoção e muita mas muita sede viver!

E assim, olhei-me no espelho pela última vez, e continuei lutando.

Texto: Nabiyah Silva Bashir.

Ela é a mulher mais linda que eu conheço. Saía de casa sempre cedo e parecendo uma rainha, com roupa clara e flor no cabelo. Acho que ela trabalhava num castelo! Do ângulo que a via, ela parecia flutuar. Quando voltava, mesmo sem a flor, era ainda mais bonita. Chegava sempre no mesmo horário, à noitinha. Primeiro abria a porta devagar – o barulho das suas chaves na porta me davam comichão na barriga – e depois entrava carregando sacolas, roupas, sapatos e muitos papéis que, de vez em quando, voavam livres pela sala. Por mais atrapalhada que estivesse, nunca deixou de dar-me um beijo demorado na bochecha: ela largava tudo o que carregava na mesinha ao lado da porta, se abaixava e me beijava. Sua boca estava quase sempre gelada e úmida, e o seu cheiro era tão único que não conseguiria dormir sem senti-lo. Falava então “hoje o dia foi duro!” e corria para o chuveiro. A melodia da água caindo era para mim um som de ninar… e com essa sinfonia aquosa, eu adormecia no sofá pensando “tenho a melhor mãe do mundo!”.

Texto: Bruna Scavuzzi

OK, todos comigo: um e dois e um e dois e três e…
tunga-tatunga tunga-tutunga, praticatá-patapáaa
tunga-tatunga tunga iê iê, tunga tatinga teee e la maia cáaa
PAROU!!!
Verde-da-ponta, suas curvas melódicas estão muito acentuadas! E você, laranjinha-da-frente, não precisa de tantas voltas até o refrão! Laranja-grande e verdinho-pela-metade, vocês estão impossíveis hoje! Precisam ser menos circulares e mais alinhados!
Camaradas, não queiram a mesma punição que eu tive. Ter um cabeçudo sentado em vocês só vai piorar as coisas. Querendo ou não vocês vão ter que se enquadrar…
Texto: Carlos Darzé

Ele queria rezar, mas não sabia.
Dentro de casa, desde que a mãe se foi o pai praguejava e ele então inventava, ou fingia alegria.
De que adiantava ir na escola e jogar bola, se quando voltava paz não havia?
Ele queria pedir um nariz de palhaço ou uma roupa de cangaço, quem sabe assim fazia o pai de novo sorrir?

Texto: Isis de Aragão

Estava diante de seus olhos. Chico. Lindo. Azul tão grande, nem cabia. Seus pés sentiam o balançar. A ponte. Os carros. O vento. O Sol. Tudo vibrava. Aquele azul vibrava. Com o coração na boca, preparou-se. E como no balé, em uma cena que misturava beleza com destreza, saltou querendo um abraço. E abraçou o azul mergulhando no infinito.

Texto:  Camila Yara

 

– Mano, por que que aquele moço tá tirando foto da gente?
– Sei lá, Cadu, deve tá achando bonita nossa miséria.
– Ah, tá.
– Olha pra lá, menino, não vê que o cara tem uma câmera grande, a gente pode aparecer naquele jornal da Globo…
– …
– …ou então parar em algum blog ou portifólio.
(Click!)

foto: Ricardo Borges
Texto: Bruna Scavuzzi

A primeira se chamava Florisbela. Era a menor de todas, mas sem dúvida a mais bela.

A segunda se chamava Manchada. Era alta, magra e muito cismada.

A terceira se chamou Malhada, embora fosse a mais magra.

A quarta se chamava Mimosa. Era vegetariana convicta. Gostava de Mozart e Godard.

A quinta, coitada, não tinha nome. Nasceu sem e morreu sem.

Foto: Ricardo Borges