Era noite.
Pra variar um pouco, chego novamente sozinho em minha casa, meu apartamento, minha solidão.
Este lugar eu projetei para ser o meu lar, um lar só meu, tão só meu que chega a ser vazio, gélido.
E assim seguiam os meus dias: abrir a porta, acender uma luz naquela escuridão, cruzar o corredor, passar por várias portas, ir ao banheiro, lavar as mãos, ir à cozinha preparar um sanduíche, ir ao quarto ligar o som, ir ao escritório ligar o computador, ir a sala usar o telescópio por um minuto. Voltar à cozinha para comer o sanduíche, voltar ao banheiro para lavar as mãos, ao quarto para enrolar um baseado, ao telescópio para ver estrelas cadentes e luas dançantes, ao escritório para compartilhar estas experiências na internet e ao quarto para dançar livre ou “pesquisar o movimento genuíno”. Lá pela alta madrugada refazia o passeio pelo meu lar, iniciando pela cozinha para lavar a louça, banheiro para tomar banho, sala para fechar as janelas, escritório para desligar o computador e o quarto para dormir e sonhar com uma linda viagem intergaláctica, rumo a Júpiter, talvez.
Minha sorte era ter alguns poucos amigos que muito me conheciam, outra sorte era ter uma analista que já estava há tanto tempo comigo que algumas vezes invertíamos os papéis e ela, inclusive, me pagava as consultas, outra sorte era reconhecer que eu era invejoso. Pois sim: eu invejava os homens que eram pais, porque eu sempre quis ser pai, mas sempre tive medo de me casar e, pior, sempre tive medo de conviver diariamente com uma mulher.
Eu cogitei adotar uma criança e ser contemporaneamente um pai-solteiro, mas pensei que teria de conviver de qualquer forma, ainda que por uns 10 anos com uma babá – tô fora!
Refleti um pouco mais e percebi que estava alterando a ordem do fluxo das coisas… -Veja bem, Sr., é preciso amar e seu filho será fruto desse amor.
De fato era chegada a hora de compartilhar o MEU lar, dar à minha vida uma possível companhia. Nessa altura da vida o meu desejo era poder chegar em casa, tocar a campainha e perceber a existência de uma vida lá dentro.
Em mim as coisas se processam desta forma: percebo algo a mudar, provoco uma ampliação dos fatores negativos disso a ser mudado, me desapego e mudo. Sendo assim, entrei num processo tangente à loucura: passei a esquecer as chaves de casa. Passei a tocar a campainha. Passei a não suportar mais morar só e seguir aquele roteiro só e sempre como se a vida fosse só aquilo.
Por falta de coragem ou de vontade ou por medo dos meus iguais, comprei um cachorro.
Sei que nosso amor será eterno até que não seja mais suficiente e eu comece a implicar com ele, com a felicidade dele a me ver chegar, com dependência dele em relação a mim para comer, caminha na rua, cagar e mijar, com a deficiência dele em relação à fala.
Sei que essa hora vai chegar, mas enquanto não chega, vivo eternamente o nosso amor e vivo acreditando na plenitude que sua companhia me proporciona. Vivo feliz ao seu lado!
… por enquanto.
Texto: Elmir Mateus
– Mateus é sem “h”
– caminhaR na rua
-algumas “,” e “;” ausentes, outros sobrando, mas a vida é isso aí!